Os Carinhos Quentes
Era uma vez, há muito tempo, um casal feliz, Antônio e Maria, com dois filhos chamados João e Lúcia. Para entender a felicidade deles, é preciso retroceder àquele tempo. Cada pessoa, quando nascia, ganhava um saquinho de carinhos. Sempre que uma pessoa punha a mão no saquinho podia tirar um Carinho Quente. Os Carinhos Quentes faziam as pessoas sentirem-se quentes e aconchegantes, cheias de carinho. As pessoas que não recebiam Carinhos Quentes expunham-se ao perigo de pegar uma doença nas costas que as fazia murchar e morrer. Era fácil receber Carinhos Quentes. Sempre que alguém os queria, bastava pedi-los. Colocando-se a mão no saquinho, surgia um carinho do tamanho da mão de uma criança. Ao vir à luz, o Carinho expandia-se e transformava-se num grande Carinho Quente que podia ser colocado no ombro, na cabeça, no colo da pessoa. Então, misturava-se com a pele e a pessoa se sentia bem. As pessoas viviam pedindo Carinhos Quentes umas às outras e nunca havia problemas para consegui-los, pois eram dados de graça. Por isso todos eram felizes e cheios de carinhos, na maior parte do tempo. Um dia, uma bruxa má ficou brava porque as pessoas, sendo felizes, não compravam as poções e os ungüentos que ela vendia. Por ser muito esperta, a bruxa inventou um plano muito malvado. Certa manhã, ela chegou perto de Antônio, enquanto Maria brincava com a filha, e cochichou em seu ouvido: "Olha, Antônio, veja os carinhos que Maria está dando à Lúcia. Se ela continuar assim, vai consumir todos os carinhos e não sobrará nenhum para você”. Antônio ficou admirado e perguntou: "Quer dizer, então que não é sempre que existe um Carinho Quente no saquinho?" E a bruxa respondeu: "Eles podem acabar e você não os ganhará mais". Dizendo isso a bruxa foi embora, montada na vassoura, gargalhando muito. Antônio ficou preocupado e começou a reparar em cada vez que Maria dava um Carinho Quente para outra pessoa, pois temia perdê-los. Então começou a se queixar a Maria, de quem gostava muito, e também parou de dar carinhos aos outros, reservando-os somente para ela. As crianças perceberam e passaram a também economizar carinhos, pois entenderam que era errado dá-los. Todos ficaram cada vez mais mesquinhos. As pessoas do lugar começaram a sentirem-se menos quentes e acarinhadas e algumas chegaram a morrer por falta de Carinhos Quentes. Cada vez mais gente ia à bruxa para adquirir ungüentos e poções. Mas a bruxa não queria realmente que as pessoas morressem, porque, se isso acontecesse, deixariam de comprar as poções e os ungüentos. Então, inventou um novo plano: todos ganhavam um saquinho muito parecido com aquele de Carinhos, porém, era frio e continha Espinhos Frios. Os Espinhos Frios faziam as pessoas sentirem-se frias e espetadas, mas evitavam que murchasses. Daí para frente, sempre que alguém dizia "eu quero um Carinho Quente", aqueles que tinham medo de perder um suprimento respondiam: "Não posso lhe dar um Carinho Quente, mas, se você quiser, posso dar-lhe um Espinho Frio". A situação ficou muito complicada porque, desde a vinda da bruxa, havia cada vez menos Carinhos Quentes, e estes se tornaram valiosíssimos. Isto fez com que as pessoas tentassem de tudo para consegui-los. Antes de a bruxa chegar, as pessoas costumavam se reunir em grupos de três, quatro, cinco sem se preocupar com quem estava dando carinho para quem. Depois que a bruxa apareceu, as pessoas começaram a juntar-se aos pares e a reservar todos os seus Carinhos Quentes exclusivamente para o seu parceiro. Quando se esqueciam e davam um Carinho Quente para outra pessoa, logo se sentiam culpadas. As pessoas que não conseguiam encontrar parceiros generosos precisavam trabalhar muito para obter dinheiro para comprá-los. Algumas pessoas tornavam-se simpáticas e recebiam muitos Carinhos Quentes sem ter que retribuí-los. Então, passavam a vendê-los aos que precisavam deles parar sobreviver. Outras pegavam os Espinhos Frios, que eram ilimitados e de graça, cobriam-nos com cobertura branquinha e estufada, fazendo-os passar por Carinhos Quentes. Eram, na verdade, carinhos falsos, de plástico, que causavam novas dificuldades. Por exemplo, duas pessoas se juntavam e trocavam livremente entre si os seus Carinhos Plásticos. Sentiam-se bem em alguns momentos, mas logo depois se sentiam mal. Como pensavam que estavam trocando Carinhos Quentes, ficavam confusas. A situação, portanto, ficou muito grave. Não faz muito tempo, uma mulher especial chegou ao lugar. Ela nunca tinha ouvido falar na bruxa e não se preocupava com o fim dos Carinhos Quentes. Ela os dava de graça, mesmo quando não eram pedidos. As pessoas do lugar desaprovavam essa atitude porque essa mulher dava às crianças a idéia de que não deviam se preocupar com o término dos Carinhos Quentes, e chamavam-na de Pessoa Especial. As crianças gostavam muito da Pessoa em Especial, porque se sentiam bem em sua presença, e passaram a dar Carinhos Quentes sempre que tinham vontade. Os adultos ficaram muito preocupados e decidiram impor uma lei para proteger as crianças do desperdício de seus Carinhos Quentes. A lei dizia que era crime distribuir Carinhos Quentes sem uma licença. Muitas crianças, porém, continuavam a trocar Carinhos Quentes sempre que tinham vontade ou quando alguém os pedia. Como existiam muitas crianças, parecia que elas seguiriam seu caminho. Ainda não sabemos dizer o que acontecerá. As forças da lei e da ordem dos adultos forçarão as crianças a parar com a sua imprudência? Os adultos se juntarão à Pessoa especial e às crianças e entenderão que sempre haverá Carinhos Quentes, tantos quanto forem necessários? Lembrar-se-ão do tempo em que os Carinhos Quentes eram inesgotáveis porque eram distribuídos livremente?
da obra : A CARÍCIA ESSENCIAL de Roberto Shinyashiky
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